"O tema das quatro estações é uma fonte inesgotável de inspiração para a cultura ocidental. Giuseppe Arcimboldo, Nicolas Poussin e Antonio Vivaldi, para citar nomes exemplares, são três artistas que se eternizaram pela exploração estética e filosófica do ciclo da natureza. O caso do pintor francês é notável no que se refere à sobreposição de referências culturais e novos sentidos a partir do tema. Suas Quatre saisons (1660-1664), que hoje podemos admirar no Museu do Louvre, propõem, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre as fases da vida e uma retomada tipológica de episódios do Antigo Testamento, sem romper com a visão cíclica do mundo, cara à Antiguidade.
As quatro estações de Carlos Francisco de Morais inserem-se nessa tradição, menos pelo diálogo direto com o tema, que o romance, contudo, não deixa de estabelecer na evidente admiração do autor pela cultura erudita europeia, e mais por sua capacidade de sobrepor temas, linguagens, espaços e tempos. Trata-se, portanto, de uma questão formal, isto é, do fio condutor simbólico da narrativa, para além, inclusive, de sua divisão em quatro partes correspondendo às quatro estações do ano: verão, outono, inverno e primavera.
Como no conjunto de Poussin, os “quadros” de Carlos Francisco de Morais apresentam variações de luz e movimento. Entre Roma, a cidade eterna, e São Paulo, a metrópole “desvairada”, sobrepõem-se dois espaços, dois tempos. A Europa, a América; a tradição, a modernidade. Na construção dos protagonistas Adriano e Flor, sobrepõem-se o velho tema do amor proibido capaz de resistir ao tempo e aos obstáculos, a delicada questão racial à moda tupiniquim e as relações de poder atualizadas pelo dinheiro na modernidade capitalista. Na linguagem, ora de prosador realista, capaz de aparentemente se retirar para dar voz aos fatos e personagens, ora de poeta lírico, elevando o grau de tensionamento da palavra literária ao nível do encantamento musical, a mesma convergência habilidosa entre o eterno e o transitório, o universal e o particular se faz presente.
Não hesitaria em dizer, finalmente, que estas Quatro estações são um romance sobre o círculo, o círculo onde as múltiplas experiências – do tempo, do espaço, da linguagem – se justapõem no aqui – São Paulo – e no agora – anos 2000. Nelas o leitor encontrará uma verdadeira celebração da diversidade de culturas, cores, sentimentos, concepções de vida... que é a maneira como nós, modernos, concebemos e atualizamos o conceito de eternidade."
(Eduardo Veras/ Professor e pesquisador da Universidade Federal do Triângulo Mineiro)