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Sobre Dobradura de amores construídos

 

 

Renata Gatto*


Dentre as várias perspectivas possíveis à abordagem do trabalho de Ana Luiza Apgaua, gostaria de destacar a relação entre a escrita e o amor. A partir da Psicanálise, é possível entender a escrita como veículo pelo qual as verdades do sujeito tomam corpo. Semelhante às sessões de análise, a escrita elucida certos conteúdos obscuros, tal qual o analisante elabora suas verdades.

É importante marcar que não se trata de analisar a autora pela obra, mas de aprender com elas.

A escrita também pode ser uma tentativa de lidar com a castração, à qual estamos todos sujeitos. Diante da incompletude, o que resta é contornar o impossível de simbolizar – o vazio. Ao mesmo tempo, a escrita parece conectar a autora ao mundo – aos seus amores, a lugares, ao próprio amor...

Assim como a escrita, que delimita ao contornar o vazio, vazio esse inerente a todo ser falante, o amor faz limite. Para lidar com o real, o símbolo. E o que é a palavra senão um símbolo que possibilita lidar com o real?

O amor não mira a satisfação, mas o ser. Por isso, só se pode falar de amor onde há relação simbólica. Uma das formas de entender o amor pela psicanálise é como dom ativo. Diferente da paixão, o amor está além do aspecto cativo do imaginário.

Como dom, visa o outro, não sua especificidade, mas no seu ser. Nesse sentido, é compreensível que o amor seja complacente com inúmeras fraquezas do amado. O dom ativo, a partir do qual é dado o que não se tem, só é indício amoroso se com a falta forem oferecidos meios para lidar com o que falta.

Dobradura de amores construídos fala da saudade, de memórias, de encontros e desencontros. Será que podemos dizer que o corpo da escrita se configura como um parceiro amoroso? No texto, Ana dialoga com seus amores, fazendo uma pareceria com o texto, com outras artes e artistas, entes amados que colaboraram com produções únicas (colagens, pinturas, desenhos, fotografias). Dessa vez, o dom material é ofertado à Ana Luiza para que esta lide com suas faltas...

O livro remete, em alguma medida, ao diário de Frida Kahlo, cujas páginas coloridas trazem uma escrita que evoca o traço... que leva ao desenho... ou seria o contrário?

A escrita dos poemas consiste em um relacionamento consigo, uma parceria, ao mesmo tempo em que estes se configuram como dom de amor. Há um endereçamento particular de certos poemas, como se houvesse uma proposta velada de ajudar aos amados a lideram com suas faltas.

O trabalho de Ana Luiza é, como dom ativo de amor, uma dádiva para si, para aqueles cujos poemas foram endereçados e para nós, seus leitores.

 

 

 

 

 

 

 

 

Obrigada!

 

Belo Horizonte, 21 de outubro de 2021

 

 

 

* Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Psicóloga graduada pela mesma instituição. Graduada em Design de Moda pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais.

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